26/03/2013

Resenha: Condenáveis - Uma História de Filho e Pai

Livro de Leonardo Torres


Skoob
Ele descobriu que o pai havia sido preso através de um programa de TV. No início, sentiu culpa e vergonha por acreditar ser filho de um criminoso. Depois, raiva e aversão. Tudo o que queria era distância. Policial civil conhecido pelo combate ao tráfico de drogas, o pai foi acusado de venda de armas e repasse de informações sigilosas a traficantes procurados no Rio de Janeiro. Era a chamada Operação Guilhotina, que ocupou os noticiários nacionais em 2011. Estudante de Jornalismo, o filho tinha pânico que os colegas de trabalho descobrissem sua ascendência. Nunca pensou em visitar o pai na cadeia ou em telefonar para ele após sua libertação. O filho condenou o pai e, neste livro, explica o porquê.

Não é de boa técnica redigir resenhas em primeira pessoa (embora a blogosfera esteja abarrotada de textos assim). Mas Condenáveis – um livro não ficcional, repleto de intimidades familiares e narrado em tom de diário – faz o leitor se sentir muito próximo dos personagens e praticamente o força a uma tomada de posição diante das situações apresentadas, o que, claro, acaba levando-o a ser pessoal. Então, nessa linha, vamos lá...

Recentemente, postei no Facebook as seguintes palavras da articulista Camila Kehl: “os melhores cronistas e escritores (...) têm coragem de se expor. Além da escrita, que deve ser de qualidade, (...) é fundamental oferecer o rosto a quem quiser bater; é essencial desnudar a alma”. Concordo inteiramente. E digo que Leonardo Torres produziu uma obra corajosa no sentido descrito por Camila. Ele expôs suas fraquezas e defeitos, admitiu sua condição homossexual, falou o que pensa de seu pai (conhecido na mídia como "Trovão")... O autor realmente desnudou sua alma em um texto simples (mas correto) e ágil, que – talvez por abordar um tema particularmente interessante para mim, a relação entre pai e filho – foi capaz de prender minha atenção até o final.

Leia a entrevista com o autor
O juiz Sergio dá seu parecer:
Uma característica marcante da história é o julgamento incessante a que o protagonista/narrador/autor submete seu pai, o que desperta um desejo ainda maior no leitor de tomar partido e julgar os envolvidos na trama. Eu acompanhei com muita atenção as impressões de Leonardo sobre o temperamento e a conduta de Trovão, aparentemente um tipo machão e com pouca afetividade. E, sinceramente, não passei toda a leitura do lado do autor. Achei-o injusto, infantil e mimado em certas passagens, sempre fazendo questão de interpretar as iniciativas paternas de forma negativa. Mesmo tendo acesso apenas à visão do filho (por motivos óbvios, o livro infelizmente não traz a ótica paterna), fiquei com a forte impressão de que Leonardo-pai tentou – do fundo do coração, ainda que do jeito bruto que o caracteriza – entrosar-se com o filho. Na minha opinião de psicólogo de botequim, o grande problema na relação dos dois Leonardos é a total incompatibilidade de temperamentos, nada mais. Não percebi nada exageradamente errado no comportamento do pai (é claro que abominei o caráter corrupto de Trovão e seus gravíssimos desvios de conduta contra a sociedade, mas não é sob esse aspecto que estamos analisando a questão). Até mesmo a deprimente opinião de Trovão sobre os gays não me pareceu uma boa desculpa para tanta antipatia por parte do filho, pois a aversão à figura paterna surgiu quando o autor ainda era bem criança e desconhecia sua condição homossexual e os posicionamentos ideológicos do pai (frise-se que, além disso, o pai sempre desconheceu a orientação sexual do filho. Será que ele não seria compreensivo se soubesse?)

O livro vai além:
Além da relação entre pai e filho, a trama de Condenáveis traz diversos outros elementos, que ajudariam a fazer do livro um ótimo filme. Temos a avó esquizofrênica de Leonardo (agora é o psiquiatra de botequim diagnosticando um dos personagens), as situações criadas por uma determinada vizinha que abusava do direito de ser boçal (senti pena do Leonardo, das galinhas...) e muito mais. E o livro não é positivo apenas no que ele tem, mas também no que não tem. Fiquei muito feliz quando percebi que o autor não iria se aprofundar nos crimes praticados por Trovão e na Operação Guilhotina, assuntos que foram abordados na medida certa, apenas como justificativa para o Leonardo mostrar mais desprezo pelo pai.

Depois de tudo o que eu escrevi, afinal, quem são os condenáveis na história apresentada por Leonardo Torres? Bem, ele mesmo diz que cada leitor terá sua própria opinião a respeito. Por isso o título. Então, leiam, julguem e condenem os culpados – digo – leiam e tirem suas conclusões. Vale a pena mesmo!!!

“Nós dois (o autor e seu pai) somos egocêntricos: pensamos primeiro em nós mesmos, depois no outro.” p. 138

“Dizem que as crianças já nascem conectadas às mães, por causa do cordão umbilical, e que os pais têm que conquistar essa conexão depois que o bebê nasce. É por isso que as mulheres podem ser verdadeiras vacas com os filhos, que eles continuam amando-as e buscando justificativas para os seus atos. Mas os homens não têm esse privilégio.” p.138-139

Valorizem o escritor brasileiro!
Um grande abraço!

2 comentários:

  1. Estou lendo "Condenáveis" e, conforme já havia dito em postagens informais no Facebook, estou adorando. O Leonardo é uma surpresa tanto na escrita - com um coloquial bem estruturado e redigido - quanto na trama abordada - que, bem sei, é verídica. - Sua coragem é admirável e só me faz respeitá-lo mais. Alguns fatos e personagens são descritos com bom humor, apesar da tragédia que permeia o enredo. Gosto disso. Já virei fã.
    Parabéns ao Leonardo e desejo muito sucesso a ele.
    Novamente, felicito o Sergio pela excelente resenha, por sempre abrir um espaço aos escritores compatriotas e dar uma chance desses talentos serem conhecidos. Sua atitude mostra que mais vale cada um fazer a sua parte que sair gritando aos quatro ventos que "apoia os nacionais", mas nunca os ler.
    Abraços.

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  2. Sergio, sua opinião é muito importante para mim e fico contente que tenha desfrutado da leitura de "Condenáveis". Entendo e admiro seus questionamentos e reflexões - alguns me botaram para pensar aqui diante da tela do computador. "Será?".

    Você é a segunda pessoa que diz que esse livro daria um filme. Não consigo enxergar esse potencial na história, sinceramente. Acho "Condenáveis" tão introspectivo, tão descritivo, tão mais sobre sentimentos do que situações, que acho que seria difícil colocar na tela.

    Que ator me interpretaria? hahahaha

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