Autoajuda travestida de ciência para leigos
Após ler Mentes Perigosas, tive uma sensação de que algo não se encaixava no discurso da autora, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. O livro não me passou credibilidade técnica, assemelhando-se mais a uma conversa de bar, na qual uma amiga psiquiatra (a autora) aconselha informalmente alguém curioso ou com problemas pessoais (o leitor). Pensei: “Como um livro tão vazio de conteúdo pode estar fazendo sucesso?” E, de imediato, veio-me a (óbvia) resposta: “Ora, foi justamente esse tom de autoajuda – descompromissado e amistoso, mas com um verniz supostamente científico - que conquistou as pessoas.”
Se o subtítulo fosse trocado de O psicopata mora ao lado para Aprenda a reconhecer um psicopata para proteger-se, exprimiria com exatidão aquilo que o livro pretende transmitir. Mas a “aula”, como dito, não traz elementos técnicos mais profundos para embasar as opiniões da autora. Ela inicia o texto discorrendo sobre “consciência”, diferenciando o “estar consciente” (a capacidade de manter a mente em estado de vigília) do “ser consciente” (em linhas gerais, a capacidade de amar o próximo). O psicopata, detentor de uma mente incapaz de “ser consciente”, seria um “parasita social”, um “vampiro” pronto a sugar toda a energia de suas vítimas para explorá-las egoisticamente. Foi dessa abordagem que decorreu a sensação que mencionei no início do primeiro parágrafo. Condenar, categoricamente, alguém por agir conforme sua natureza não seria um paradoxo? Não seria mais profissional uma análise serena e profunda da questão, com posteriores sugestões de como equacioná-la?
Alguns críticos de Ana Beatriz indicam duas outras obras como alternativas supostamente melhores: Serial killer: louco ou cruel?, de Ilana Casoy, e Meu vizinho é um psicopata, de Martha Stout. Ainda não posso tecer comentários sobre essas obras, pois não as li.
A Ediouro, que publicou a primeira, promete um texto embasado por rigorosa pesquisa e totalmente isento de julgamentos, qualidades que faltaram em Mentes Perigosas. Ana Beatriz, além de soar raivosa e acusatória em diversos trechos de seu livro, não trabalhou mais profundamente os casos, limitando-se a expô-los e a rotular seus protagonistas. O livro de Ilana me desperta curiosidade, pois seu subtítulo traz a indagação que mais me incomoda como leigo: seriam os psicopatas loucos, cruéis ou ambos? A incapacidade de “ser consciente” os torna sempre perniciosos à sociedade ou existem casos em que a falta de emoções não se traduz em perversidade? Penso que das respostas sairia a melhor forma de lidar com essas pessoas.
A sinopse do livro de Martha Stout, publicado pela Sextante, não me motivou. Ela anuncia “13 regras para se defender da ameaça”, o que lançou um forte odor de autoajuda no ar. Mas, como abomino prejulgamentos, pretendo lê-lo antes de fazer qualquer crítica.
Para finalizar, concluo o seguinte: satisfeitos com o lado “amigão” de Mentes Perigosas, os leitores parecem ter abstraído tudo o que ele tem de ruim. Talvez seja o mesmo fenômeno que faz a “literatura” de Paulo Coelho vender tanto. Encantados com a “profundidade espiritual” do mago, seus fãs relevam seu português ruim, suas tramas mal urdidas, suas compilações toscas da sabedoria oriental e sua incapacidade de dar verossimilhança às narrativas (meu cérebro passou por maus bocados enquanto eu lia O Demônio e a Srta. Prym). Podem me chamar de preconceituoso, mas desconfio de superstars. Psiquiatras superstars, escritores superstars, cientistas superstars etc. me passam a impressão de pessoas realmente muito hábeis, mas apenas na arte do marketing e da sedução.
Sergio, ainda não li este livro, mas tenho interesse em lê-lo. Sobre psicopatas não custa saber um pouco mais. eles sempre moram ao lado!
ResponderExcluirAdorei a sua resenha e gostei das dicas, esse da Ilana também me interessou bastante...
ResponderExcluirQuanto a sua crítica, concordo plenamente! A autora parece não conhecer a palavra "imparcialidade", parece que durante todo o texto apenas relata o quanto perverso um psicopata pode ser, o que é revoltante. Em nenhum momento ela mostra algum embasamento científico que, por mais que o livro seja direcionado ao público leigo, se faz necessário. É exatamente como uma conversa tosca e sem profundidade.
Sobre a parte em que você falou da falta de sentimentos, eu posso afirmar com certeza: recentemente comecei a consultar com uma psicóloga e uma psiquiatra e confirmei uma suspeita com um diagnóstico, eu sou psicopata. No entanto, cresci em um ótimo ambiente familiar, basicamente foi o que me ajudou a me "encaixar" melhor na sociedade, de uma certa forma. Mas e os psicopatas que não tiveram essa sorte? É um assunto muito delicado para que uma psiquiatra venha com um livrinho e só diga que todos nós somos os caras maus que queremos sugar nossas vítimas, as pessoas de bem, como vampiros.
Detestei esse livro.
www.garotapsicopata.com
Sergio,
ResponderExcluirAcabo de ler e comentar a sua resenha,no Skoob,sobre o "Mentes Perigosas". Achei-a perfeita, inclusive nas considerações que você faz acerca dos escritores atrelados ao Marketing, como Paulo Coelho e a autora do presente livro, por exemplo.
Terminei de ler o livro ontem e lamentei os dez reais que paguei por ele.
Cordialmente,
Nilton Maia
Olá, Nilton. Obrigado por deixar suas impressões. Fico feliz em ter companhia na desconstrução desse livro nada sério. Abraços!
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