30/09/2011

Um "monstro" chamado Exame de Ordem

Por que ele ainda existe?


A editora paranaense Juruá é minha conhecida por dois motivos: além de ser uma gigante na área jurídica, ficou interessada em publicar meu primeiro romance, À Sombra do Crisântemo (rebatizado de Para Sempre Ana por minha esposa, Luzia), quando inaugurou um selo dedicado à ficção. A publicação não aconteceu porque discordei de alguns pontos do contrato (neuras minhas), mas, enquanto duraram nossas conversações, o pessoal da editora sempre se mostrou muito educado, atencioso e interessado. Porém, não estou escrevendo este post para promover ninguém. O blog e a Juruá não se tornaram parceiros, nem entraram em contato para a divulgação de livros. Minha motivação é unilateral e diz respeito a um lançamento em especial da editora, que me trouxe grande alegria, chamado Ilegalidade e Inconstitucionalidade do Exame de Ordem.

Há muitos anos eu tenho um discurso contra essa prova a que os bacharéis em Direito são submetidos, que, na minha visão, é uma aberração promovida pela OAB. Antes que venham dizer/pensar que meus motivos são pessoais (*sempre que alguém - com total sinceridade de sentimentos, mas com aparente interesse - critica ou discorda de algo aceito pelo senso comum – como a beleza de um ator supostamente lindo, o hipotético talento de um escritor reconhecido, a suposta pertinência de um exame tido como correto e justo – é logo levianamente taxado de “invejoso”, “frustrado”, “recalcado” e outros adjetivos menos publicáveis), vou adiantando que não é, pois, após me formar, passei no Exame de Ordem na primeira tentativa, sem problema algum (o mesmo aconteceu com a Luzia). Pois é! Quem me conhece sabe que ajo por princípios, com espírito idealista. Quando sou contra algo, não é porque fere meus interesses, mas simplesmente porque fere meu senso de justiça.

Eu sempre disse que os defensores do Exame de Ordem fazem uma leitura espertinha torcida do art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal. Diz o dispositivo: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. E o Estatuto da Ordem (uma lei) estabelece que “Para inscrição como advogado é necessário: IV- aprovação em Exame de Ordem”. “Perfeito!”, dizem os defensores da tal prova, “O Estatuto firmou o exame como parte da qualificação de um advogado e, então, essa prova deve ser feita para que se cumpra o mandamento constitucional do art. 5º, XIII.”

Ora, ora! Não é preciso um grande esforço intelectual para perceber que uma prova (categoria em que se enquadra o Exame de Ordem) não é qualificação, mas uma mera aferição (*diga-se de passagem que a aferição do conhecimento dos bacharéis já foi feita na faculdade, como manda o MEC. A OAB não tem poder para aferir nada, muito menos para aferir a aferição acadêmica. Mas alguns vão dizer: “Ah, mas muitas faculdades são ruins! Sem o Exame de Ordem, um monte de profissionais desqualificados vai ser jogado no mercado.” E eu respondo perguntando: Vamos corrigir um erro com outro erro? Isso é a típica solução à la brasileira). Então, se o exame não faz parte da qualificação, não pode ser exigido como condição para entrega da carteira profissional. Eu defendo esse argumento há séculos. Tive discussões homéricas em fóruns sustentando tal ideia, e a maioria dos advogados a rechaçava.

Se o problema satirizado acima existe, cabe ao MEC resolvê-lo. À OAB, cabe, no máximo, sugerir soluções e auxiliar.

Desembargador Vladimir: "monstro que a OAB criou"
Agora, vejo altas autoridades dizendo EXATAMENTE o mesmo que eu sempre disse. O subprocurador-geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros afirmou: “De certo que o exame de ordem não se afigura como qualificação profissional, mas, sim, mera aferição desta: o exame não qualifica, ele se propõe a atestar a qualificação.” E o autor do livro anunciado neste post, o desembargador Vladimir Souza Carvalho, disse: “Descobri que o exame é muito mais feio do que se pode imaginar. Somente agora essa discussão começou, o que mostra que nós do Direito aceitamos a lei como quem aceita uma comida e só depois de comê-la é que reclama que ela estava estragada.” E, criticando o nível irreal e absurdo do exame, completou: “É uma mentira que a aprovação de 10% dos estudantes mensure que o ensino jurídico do país está ruim. Não é possível falar em didática com decoreba”. Aliás, eu costumo falar nos fóruns que a maioria dos grandes advogados, dos conselheiros da OAB e dos outros figurões do mundo jurídico não passariam na prova se a fizessem apenas com sua experiência e conhecimento. E não passariam mesmo!

Para mim, o Exame de Ordem é reflexo de uma das características mais marcantes do ser humano, que mantém esse mundo nas trevas: o interesse próprio, o egoísmo. Todos sabem que essa prova impede a entrada de muitos novos profissionais no mercado e limita a concorrência, além de gerar grande receita para a OAB (a inscrição para o exame é caríssima) e fomentar a altamente rentável indústria dos cursinhos (pesquisem por aí: há conselheiros da OAB que são donos, sócios ou professores de cursinhos preparatórios para a prova da própria OAB?).

Espero que o livro do desembargador Vladimir seja mais um instrumento para acabar com esse “monstro”, como ele próprio define a prova. E que o STF deixe um pouco a politicagem de lado e extinga de vez essa aberração legal e moral; ou que pelo menos faça da politicagem um meio de reverter e consertar essa situação. Deixemos de hipocrisia! Abaixo o Exame da OAB!

4 comentários:

  1. Concordo em gênero, número e grau com tudo o que você colocou Sérgio!

    Eu sou historiadora e não advogada e o MEC bem que deixa a OAB fazer as provas decorebas que nada ensinam e muito menos atestam, porque não tem nenhum interesse de arcar com os custos da melhoria do ensino superior (muito menos os outros níveis abaixo, a qual dou aula).

    Falou muito bem e colocou o problema do brasileiro às claras: temos a mania de acatar as soluções do jeitinho brasileiro, do que lutar por nossos direitos.

    Não vê o caso do transporte? Pagamos IPVA para que o governo manter as estradas, porém ele a concede a empresas particulares que começam a implantar pedágios. As ruas ficam lindas e ótimas de se dirigir, porém você paga pela mesma coisa duas vezes.

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  2. Oi, Sara.
    A culpa do MEC nessa história é não ser criterioso ao conceder autorizações e reconhecimentos a faculdades ruins. Mas, fazendo ou não um bom serviço, é o MEC o órgão responsável por controlar a aferição acadêmica. E é essa aferição que tem o poder de apontar quais formandos estão aptos a entrar no mercado de trabalho e a exercer suas respectivas profissões. A OAB, ou qualquer outro conselho, não tem que se meter nessa história, principalmente se for por meros interesses econômicos. O Exame de Ordem, além de inconstitucional, torna-se absurdamente mais difícil a cada ano. Os próprios juízes reconhecem que o nível da prova é para candidatos a magistrados, não para bacharéis inexperientes. Mas, independentemente de ser fácil ou difícil, fato é que o EO fere a Constituição e extrapola a competência da OAB.

    Os pedágios são mesmo um bom exemplo de como o brasileiro é pródigo em dar jeitos tortos no que está errado. Como você disse, os impostos que pagamos já deveriam ser suficientes para arcar com a manutenção das estradas. Mas, mesmo que não fossem suficientes, por que o próprio Governo não implementa e controla os pedágios, cobrando dos motoristas apenas o suficiente para cobrir os custos de manutenção? Dessa forma, os pedágios seriam bem baratos, como ocorre, por exemplo, nos EUA. Mas o Estado prefere delegar um serviço que ele próprio poderia fazer, concedendo sua exploração a empresas privadas, que existem para dar lucro. Isso, aliado ao fato de que o Poder Público sempre vincula as correções anuais ao IGP-M, faz o preço ir para a estratosfera. Será que ninguém pensa nessas questões? Eu fico besta com a passividade do povo brasileiro. Se isso acontecesse em outros países, iriam botar abaixo as cabines de pedágio. Mas aqui as pessoas só estão preocupadas mesmo é com a tabela do tal Brasileirão.

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  3. Mais uma vez está de parabéns por um post fantástico! É um prazer segui-lo e partilhar de suas opiniões. Eu sou abertamente contra o exame da ordem porque o considero inconstitucional e discriminatório. A realidade é que muitos conseguem passar no exame da ordem mas não tem de fato qualificação pra ser um Advogado. Eu vejo muitos absurdos onde trabalho. Alguns se dizem 'profissionais' mas se você perguntar a eles quais as condições da ação eles não sabem responder! Deus sabe como podem ter passado no exame. Existem mentes brilhantes que simplesmente não passaram no exame que é aburdo em todos os sentidos. Tive um professor genial em Direito Constitucional, um mestre, mas ele não passou no exame quando tentou e nunca mais quis saber disso. O fato é que o exame da ordem não qualifica ninguém. E é tremendamente injusto para quem se formou de 2001 para cá. Então, vamos exigir o exame de todos os que atuam na área jurídica e ver quais serão as médias...
    Abraços.

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  4. Esse é um problema enorme!
    O Lobby da OAB é muito grande...
    Tanto que a decisão ainda não saiu...
    E realmente concordo com tudo o que foi escrito.
    Outro ponto relevante é:
    Tanta dificuldade no ingresso, mas quando se entra o TED não funciona, vários e vários advogados cometem atrocidades processuais que prejudicam clientes e nada é feito...
    Uma verdadeira vergonha!

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