26/09/2016

Resenha: A Redenção do Anjo Caído

Livro de Fabio Baptista


Skoob
"Após refletir sobre a Batalha da Queda dos Anjos e outros eventos ocorridos em sua longa existência, Lúcifer conclui que é inútil continuar lutando contra a onipotência, onisciência e onipresença do Altíssimo. Decide então se render e, com esse intuito, vai ao Paraíso, onde Deus lhe faz uma proposta: para ter chances de ser perdoado, ele deverá vir a Terra, na condição de mortal, e, aqui, precisará conviver e fazer algo bom pela humanidade que tanto despreza.

No mundo dos homens, o Anjo Caído buscará sua redenção.

E conhecerá o verdadeiro inferno."

“A Redenção do Anjo Caído” mostra que Fabio Baptista tem estrada e é dono de uma escrita inteligente, ágil, espirituosa e criativa. Embora o autor deixe esse talento óbvio no universo celestial que criou no livro – fruto evidente de uma pesquisa profunda sobre o assunto – e nas cenas movimentadas e cheias de ação da história, sua capacidade de cativar o leitor fica mais aflorada na parte terrena da obra, na qual os personagens humanos (incluindo Lúcifer transformado em homem) interagem em situações que nos fazem pensar (juntamente com o anjo caído) sobre qual lado de nossa natureza seria o mais marcante, o bom ou o ruim. Quando a política emerge na trama, o autor se utiliza do absurdo e do inverossímil para provocar reflexões ainda maiores sobre a alma humana. Nessa fase, as coisas começam a acontecer com certa velocidade até desembocar em uma distopia, o que prepara terreno para a batalha final entre o bem e o mal e devolve todo o protagonismo aos anjos e demônios. Antecipar para o leitor que essa guerra acontece nem de longe pode ser considerado spoiler, pois o tal confronto é exatamente o que se espera como clímax em um livro assim. O que não pode/não tem como ser contado, e que de fato encantará quem lê o livro, é (1) a sucessão de fatos – muito bem bolada pelo autor, inclusive com referências bíblicas para dar impacto – que levou ao embate entre as forças de Lúcifer e de Deus, (2) a forma arrojada como as lutas são narradas (eu, que não sou fã desse tipo de leitura, fiquei absorvido por cada palavra durante a ação final) e (3) os surpreendentes acontecimentos na fase pós-apocalipse.

UMA REFLEXÃO SOBRE O DEUS, OS ANJOS E OS DEMÔNIOS DOS LIVROS DE FANTASIA E O DIFERENCIAL NA OBRA DE FABIO:

Ter Deus como personagem em uma história é uma tarefa difícil, em especial se seu leitor já enveredou por reflexões metafísicas minimamente profundas antes da leitura. Deus – para ser considerado como tal, e não um deusinho secundário qualquer – precisa ser onipotente (ter poder absoluto e ilimitado), onipresente (estar em todas as partes da criação ao mesmo tempo) e onisciente (saber tudo sobre tudo, inclusive todas as coisas que vão acontecer no futuro). Como trabalhar um personagem assim? Como fazer um ente com essas características funcionar em uma trama, já que ele vê tudo, controla tudo, pode tudo e sabe cada mínimo detalhe futuro de cada um dos outros personagens (sabe o que cada um pensará, fará, sofrerá...)? A única solução seria apelar para aquele velho deus antropomórfico sem sentido do Velho Testamento, que tem momentos de vaidade, de ira, de tristeza, de arrependimento... Ou seja, aquele ser que é tudo, menos um deus de verdade, pois faz bobagens e tenta remediá-las, hesita, é surpreendido... Antes de começar a ler “A Redenção do Anjo Caído”, levei essas questões ao Fabio, que me tranquilizou: segundo ele, essas reflexões, de certa forma, fazem parte da história; aliás, vi que a própria sinopse fala sobre isso. De fato, o livro não cai na tentação fácil de retratar aquele deus bíblico tradicional. O autor criou um ente harmônico e sem oscilações (de humor ou do que quer que seja), como deve ser um deus, e personagens, inclusive (principalmente) Lúcifer, que levantam questões filosóficas do tipo: como vencer alguém que lê cada pensamento meu e que sabe todo o futuro, antevendo meus passos? Esse é um ponto digno de aplausos do livro. De qualquer maneira, Fabio precisou se render a chavões intransponíveis para quem deseja escrever uma obra nesse estilo. É aí que entram os anjos e demônios retratados como entidades não puramente espirituais: eles contam o tempo usando referências humanas – unidades de medida como dias e anos – e estão sujeitos a mazelas físicas, como ferimentos, cansaço, inclusive o provocado pela idade, sangramento e até a morte. É aí que entra também o deus-não-tão-deus-assim, ente individual que habita um plano físico.

Essa pequena reflexão mostra que, ao construírem realidades fictícias para seus anjos e demônios, os escritores de fantasia têm uma margem pequena para fugir ao padrão retratado nesse tipo de literatura; e mostra também que Fabio teve a capacidade de usar essa margem ao máximo.

Em resumo, leia e confira; vale a pena!

Valorize o escritor brasileiro!
Um grande abraço!

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