Livro de Albert Camus - uma obra de gênio
Borda Arredondada sem utilizar imagens
Na década de 40 do século XX, a cidade argelina de Oran começa a ser invadida por ratos agonizantes. A cada dia, maior é a pilha de animais mortos. Não demora para os habitantes da localidade também começarem a perecer, vitimados pela terrível peste negra. Quando as autoridades percebem a situação sair de controle, fecham as portas de Oran. Quem estava fora não pode retornar, tornando-se um exilado; quem estava dentro não pode sair, tornando-se um prisioneiro. Publicado em 1947, a obra chegou a ser encarada como uma alegoria da II Guerra Mundial, evento histórico no qual a peste nazista ocupou países, criou campos de concentração e infectou o continente europeu.
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Camus: escritor e filósofo |
O livro, que rendeu o Nobel de Literatura em 1957 a seu autor, é uma obra magistral em todos os sentidos. Pode-se dizer que Camus era um escritor que sabia filosofar e um filósofo que sabia escrever. E é sob esse enfoque filosófico que
A Peste deve ser entendido. Quem resolver lê-lo com a cabeça oca, ou em busca de um romance comum, não assimilará a essência do livro e irá se decepcionar. Por outro lado, os leitores de espírito reflexivo encontrarão um campo vasto para todo tipo de ponderações. Quanto à linguagem, apesar de não ser complicada, é fina e bem trabalhada, sendo mais uma fonte de prazer para os amantes de textos bem construídos.
O que é mais valoroso para o espírito? A felicidade pessoal ou ajudar a coletividade em um momento de crise? E do que o espírito mais necessita nesse momento de crise? Dos dogmas religiosos ou do pensamento racional? É interessante notar que essas questões envolvem os personagens centrais, inclusive o protagonista, Bernard Rieux, médico que se une a um esforço para debelar o mal, mesmo sendo esse mal algo de difícil compreensão, tanto do ponto de vista físico quanto espiritual.
Como dito,
A Peste tem um texto farto em filosofia, e as citações possíveis, com suas respectivas interpretações, seriam capazes de gerar um outro livro. Os trechos relacionados a Deus chamam bastante atenção, merecendo destaque os sermões do padre Paneloux e a visão racional de Rieux. O médico, indagado se acredita em Deus, explica: “se acreditasse num Deus todo-poderoso, deixaria de curar os homens, deixando a Ele esse cuidado”, filosofando mais adiante: “Visto que a ordem do mundo é regulada pela morte, talvez valha mais para Deus que não acreditemos nEle e que lutemos com todas as nossas forças contra a morte, sem erguer os olhos para o céu, onde Ele se cala.”
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Deus salva? Deus mata? Ou não tem nada a ver com isso? |
Quanto aos sermões de Paneloux, o primeiro é de uma genialidade única. As palavras colocadas na boca do padre por Camus mostram como o autor sabe ler a alma humana. O discurso do sacerdote mostra a visão clássica do cristão: a natureza em fúria é uma resposta divina à culpa humana (
confira o brilhantismo desse trecho do livro). Posteriormente, Paneloux assiste à terrível morte de uma criança e diz: “Isto é revoltante, pois ultrapassa a nossa compreensão. Mas talvez devamos amar o que não conseguimos compreender.” Assim, no segundo sermão, já mais fustigado pela tragédia, ele abranda o tom e torna-se menos enfático sobre a culpa do homem, dizendo “que havia coisas que se podiam explicar em relação a Deus e outras que não se podiam.” Bem... Talvez se possa dizer que o padre, com essa frase, transformou a humildade trazida pela razão em uma espécie de arrogância da fé.
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Encarceramento, morte...: semelhanças com a II Guerra |
Para fazer jus ao livro - que trata de inúmeros temas, como justiça, suicídio, amor, essência humana, religião - e colocar aqui tudo o que é digno de nota, a resenha precisaria ocupar páginas e mais páginas. O texto de
A Peste é riquíssimo e esta singela análise nem sequer abordou um por cento de tudo o que há nele e de tudo o que pode ser extraído dele. Para finalizar sem mais delongas, talvez o mais importante a se dizer seja o seguinte: se o racionalismo filosófico de Camus serve para provocar descrença em Deus, por outro lado é muito mais forte para despertar a fé nas qualidades do homem.
Já tive a oportunidade de ler há alguns anos.
ResponderExcluirEstá na lista de minhas releituras improváveis(improváveis porque com tanta coisa
que surge pra ler, como voltar pro início da fila? hshsh)
Cármen.- Ideias de canário